OS PROBLEMAS DA ÁFRICA DE HOJE.
No mundo em que vivemos, a importância, a
força de um continente pode-se medir por vários critérios: população, tonelagem
de aço, nível intelectual (embora a riqueza cultural não tenha cotação na
Bolça).
Ao olharmos para carta do globo, vemos nas
altas latitudes do hemisfério boreal um conjunto de países ricos: a leste, a
URSS; ao centro, a Europa; a oeste, os Estados Unidos. São estes os três
gigantes (os dois extremos, os supergigantes) que dominam as actividades
mundiais. O Japão e a China popular formam no extremo Oriente um “bloco” à
parte.
O continente africano é o terceiro maior
continente (em termos de extensão territorial), apresenta uma extensão de
30.300 000 km2, 54 Estados e uma grande diversidade sócio-cultural.
As suas riquezas naturais fazem com que alguns economistas a considerem um el dorado.
Será que o continente africano está
realmente acorrentado e, condenado a miséria perpétua conforme consideram
certos autores?
Até que ponto as riquezas naturais de
África são uma maldição ao invés de uma bênção?
África: seu lugar actual no mundo.
Num rápido olhar, o continente africano
oferece hoje alguns dados que constituem um dos primeiros e maiores paradoxos
do seu estado (Keita, 2009:11). Quanto à sua superfície, África ocupa o
terceiro lugar (30 milhões de km2), atrás da Ásia (44 180 000 km2),
da América (42 milhões de km2), mas de longe à frente da Europa, que
tem somente cerca de 10 milhões de km2 e da Oceânia (9 milhões de km2,
aproximadamente).
É um continente subpovoado, mas que possui
potencialidades consideráveis, apontadas e cobiçadas por todos.
A sua indústria representava há poucos
anos apenas 0,9 por cento da produção industrial mundial, enquanto a sua parte
é maior no que diz respeito ao fornecimento de numerosos recursos naturais, bem
como de produtos agrícolas (pelo menos em termos de capacidades).
Assim proporcionaria: cerca de 66% da
extracção mundial de diamantes; cerca de 58% do ouro do nosso planeta; 45% do
cobalto; 23 do antimónio (participando no fabrico de caracteres tipográficos) e
dos fosfatos; 17,5 % do cobre e do manganésio; 15% do cromo e do petróleo; 66%
do cacau; 40% do óleo de palma; 28% do amendoim.
Eis a África na actualidade; as referidas
proporções tinham, dois séculos atrás, um carácter ainda mais desmedido, pois o
resto do mundo dependia, em muito, dela (idem).
O lado irónico ou caricatural de tudo isto
é que os preços de todos esses produtos são decididos e definidos no exterior,
nas grandes bolsas de valores da Europa e da América do Norte (Jalée, 197, p.
7). Esta situação tem uma influência certa na resolução do desafio que
colocamos no início, ou seja, uma (re)interrogação objectiva da História, a fim
de devolver à África a sua “plenitude cultural”, segundo uma expressão bem
feliz de Cheik Anta Diop (Apud, Keita, op cit, p. 14).
A realidade, no campo da investigação em
ciências sociais e humanas, não desmente esta verdade com orçamentos nacionais
obrigados, por injunção das Organizações Internacionais de Financiamento por
“as prioridades estarem noutros
sectores”, aqueles mesmo definidos por elas, na medida em que são fornecedores
de mais-valias para o desenvolvimento dos seus países (europeus e americanos).
Porque a África é tão pobre?
A África, depois de haver ocupado o
primeiro lugar no decurso da Pré-História, sofre um atraso qualitativo. Certas
regiões encontram-se ainda na Idade da Pedra. Outras vegetam sob o regime
colonial. Outras ainda se debatem nas águas por vezes turvas de uma
independência hipotecada.
Com cerca de trezentos milhões de
habitantes em três biliões e meio que existem no mundo, a África tem uma
população total nitidamente inferior à da Europa.
Apesar do seu potencial natural, Guest
(2004:7) considera que o nível de vida das populações africanas não se ajusta
com os números anualmente apresentados pelas grandes Bolsas de valor sobre a
produção dos recursos do continente “berço”.
Considera ainda que o baixo nível de
instrução das populações africanas, a pobreza estrema em que as populações
africanas se encontram mergulhadas, a má distribuição dos bens públicos, os
governos vampiros, as altas taxas de mortalidade infantil e materna, o
crescimento sem precedentes de pessoas portadoras do vírus HIV, a existência de
zonas potencialmente ao contagio de várias doenças, a corrupção dos seus
governantes e os golpes de Estado, tornam a África realmente um continente
acorrentado.
Procuramos apresentar este resumo devido a
necessidade de conhecimento sobre os vários problemas que enfermam a nossa
África. Como pode um continente potencialmente tão rico, apresentar os piores
males na face da terra?
Até quando o tráfico de escravos, a
escravatura e o colonialismo será apresentada como desculpa para os males da
nossa África?
Segundo Robert Guest (idem), a África está
num mau caminho e, o seu livro, é a tentativa dele de explicar porquê. Este
livro é sobre as razões do porque a África é pobre, por isso, tem de tratar da
guerra, da peste e de presidentes que pensam que o seu cargo é literalmente uma
licença para imprimir dinheiro.
Neste
trabalho apresentamos um único capítulo, onde todos os subtemas girarão entorno
da temática porque a África é tão pobre.
A África sofreu e continua sofrer com uma
dose de maus líderes. Os mais tiranos, como Ide Amin e Mobuto Sese Seko, são
bem conhecidos. O que é menos conhecido é que os seus líderes bem intencionados
também lhe causaram graves danos. Julius Nyerere, o venerado primeiro
presidente da Tanzânia, esperava sinceramente fazer o seu povo mais feliz e
próspero, forçando milhões de tanzanianos a trabalhar em herdades colectivas
gigantes, mas em vez disso quase destruiu a capacidade do seu povo para se
alimentar (Guest, 2003:6).
Qualquer país habitado por seres humanos
tem potencial para enriquecer. Em termos históricos, a maldição da África não é
exclusiva. A forma como os africanos vivem hoje não é muito diferente daquela
como os europeus viviam antes da Revolução Industrial. De facto, os africanos
modernos vivem mais anos do que os europeus e americanos viviam antes do século
XX, em grande parte porque muitos medicamentos úteis que foram inventados
noutro lado — os antibióticos, por exemplo — tornaram-se suficientemente
baratos para os africanos os comprarem (idem, p. 8).
Não dá grande conforto aos africanos, na
verdade, ouvir contar que há cem anos outras pessoas igualmente pobres.
Alguns africanos culpam a Geografia. É sem
duvida um factor. Os vitorianos acreditavam que o calor retira energias e
esgota a força de um homem. Um laço mais correcto entre clima e pobreza é o de
que os países quentes são palco de toda uma série de doenças que afectam tanto
as pessoas como gado. A África tem as piores: malária, febre-amarela, raro e
mortífero vírus como o Ébola, e uma legião de parasitas que sugam as energias.
Beba-se um copo de água na Nigéria, por
exemplo, e poder-se-á ficar infestado de lombrigas e vermes-da-Guiné. Mas os
africanos não podem fazer grande coisa acerca do clima que permite evolução
destes horrores e é eficiente quando se está a braços com parasitas ou a tremer
de febre.
Outro culpado popular para os males de
África é a História. Muitos africanos defendem que os actuais problemas do
continente decorrem em grande parte dos traumas a que os europeus sujeitaram a
África, a escravatura acima de todas.
É um argumento emocional. Nos séculos XVII
e XIX, milhões de africanos foram raptados, acorrentados, postos nos porões
fétidos dos navios de escravos e transportados para o outro lado do Atlântico.
Muitos morreram antes de chegarem ao destino.
Os colonialistas deixaram cicatrizes
profundas. Mas também deixaram para trás coisas úteis como estradas, hospitais
e leis.
Se o colonialismo era o que atrasava
África, esperar-se-ia que, quando ele acabou se verificasse uma explosão de
crescimento. Não foi o caso (ibidem, p. 9).
Talvez o problema seja que o legado do
colonialismo continua presente, mesmo depois de os colonos terem partido. Até
certo ponto isto é uma verdade.
Segundo Joseph Ki-Zerbo (1999:365), certos
Estados dão à África, com uma mão muito caridosa, aquilo que com a outra lhe
retiram, espoliando-a de maneira nada caritativa. As fronteiras de África ainda
são fonte de problemas. Isto causa frequentes tensões e por vezes faz correr
muito sangue.
Mas os países africanos decidiram por si
mesmos não corrigir as fronteiras coloniais, com medo de que isso originasse
novos conflitos, em lugar de acabar com os antigos.
Alguns africanos defendem que o seu
continente foi traumatizado pelo que Steve Biko, um revolucionário sul-africano
chamou de “a colonização do espírito”.
Os governantes brancos julgavam inferiores os seus subordinados negros.
Mesmo hoje, ainda há quem defenda que a
falta de confiança dos africanos os impede de desenvolver todos os seus
potenciais. Pode ser assim uma certa medida, mais de 70% dos africanos de hoje
nasceram já depois da independência. E os exemplos de outros países sugerem que
as desagradáveis experiências coloniais não condenam necessariamente um país à
penúria eterna (ibidem, p. 12).
A Coreia, por exemplo, foi anexada pelo
Japão em 1910 e libertada apenas quando a América lançou bombas atómicas sobre
Hiroshima e Nagazaque. Enquanto governaram a Coreia, os colonialistas japoneses
tentaram destruir a cultura local e submeter a população à servidão.
A língua coreana foi banida, os coreanos
impedidos de aceder à universidade e profanados sistematicamente os mais
sagrados locais de culto coreanos nas montanhas. Enviaram jovens coreanos para
o Japão para trabalhos forçados nas minas e fábricas de munições, ou
obrigaram-no a servir no exército imperial. Arrebanharam mais de cem mulheres
coreanas, algumas com apenas doze anos de idade, para servirem de escravas
sexuais nos bordéis militares. E as provações terminaram com a libertação.
Pouco depois de os colonialistas japoneses partirem, a Coreia mergulhou numa
guerra civil que custou um milhão de vidas e dividiu o país ao meio.
Com uma história tão traumática, a Coreia
teria todas as desculpas para falhar ao nível do desenvolvimento. Mas a parte
sul, capitalista, que era tão pobre como o Gana em 1953, é hoje vinte vezes
mais rica.
A
formosa, Hong Kong, a Malásia e Singapura — tudo ex-colónias — são todas ricas
e pacíficas. Como o são a Irlanda, a Austrália e Massachustts. O legado
colonial de África, embora influente, não pode explicar tudo o que está mal
hoje em dia (ibidem, p. 13).
Outro problema que tem de culpar a herança
do colonialismo pelos males actuais de África é que nos dá poucas pistas para
resolver esses mesmos males. A História, como a Geografia, não pode ser mudada.
Queixamo-nos dos erros do passado, é natural e humano, mas também pode fornecer
uma desculpa para o desespero.
Se os problemas de hoje são da
responsabilidade do Ocidente, a solução óbvia é exigir ao Ocidente que os
resolva.
Desde a independência que os governos
africanos têm falhado ao que prometeram ao povo. Poucos dão ao cidadão comum a
liberdade de cavar a sua fortuna sem embaraços oficiais. Poucos defendem a lei,
dão valor a contratos ou salvaguardam os direitos de propriedade. Muitos são
descaradamente predatórios, servindo de meio a uma pequena elite para extrair
dinheiro de todos os outros cidadãos.
Os governos de rapina tornam geralmente os
seus países mais pobres, como acontece na Nigéria e na República Centro
Africana. Pior: quando o poder confere riquezas, as pessoas por vezes lutam por
ele, como no Congo e na Libéria.
O poder não vigiado é uma estrada aberta
para os ricos, especialmente em países com abundantes recursos naturais. A
África tem recursos fabulosos em minerais preciosos, o que é uma razão para
tanta gente estar pronta a lutar por uma fatia de poder. A riqueza mineral de
África deixa de ser uma maldição para ser uma bênção.
Outro obstáculo à prosperidade de África
é a Sida. Apesar de todos os avanços da medicina moderna, a esperança de vida
caiu em grande parte de África nas últimas duas décadas;
A pobreza acelera a epidemia. Quem não tem
dinheiro para comprar uma televisão, passa o serão a fazer outras coisas.
Muitos africanos não tem dinheiro para comprar antibióticos e portanto não
podem tratar doenças sexualmente transmitidas, o que abre feridas para o HIV
entrar.
Os africanos ainda não são livres.
Os
africanos são pobres em grande parte porque ainda não são livres. Vivem sob o
jugo de governos predatórios e incompetentes, que têm enorme dificuldade em
afastar (ibidem, p. 40)
Os seus governos empobrecem-nos de muitas
formas; pela corrupção, com políticas económicas desastrosas e por vezes, como
no caso do Zimbabwé, criando uma atmosfera de terror que atemoriza o mais
intrépido homem de negócios e investidor potencial.
Em teoria, a maioria dos africanos são
livres de destituir os seus governantes, mas na prática as dificuldades são
enormes.
Em nenhuma outra parte do mundo os
governantes demonstraram tanta habilidade para manipular uma eleição como em
África. O regime de Mugabe tornou-se parecido com uma ténia nos intestinos do
Zimbawé, alimentando-se com os frutos do trabalho dos outros, roubando as
forças à nação.
Ao contrário das ténias, porém, Mugabe e
os seus apaniguados mostram-se bem mais difíceis de exterminar que os parasitas
intestinais.
Nas eleições de Julho de 2000, viu-se em
primeira-mão até onde eles estão dispostos a ir para se manterem no poder
(idem, p. 53). Era uma eleição legislativa e não presidencial, pelo que o lugar
de Mugabe não estava em causa. Mas o velho senhor estava, mesmo assim
preocupado. O MDC só estava activo há poucos meses mas parecia disposto retirar
a maioria parlamentar à ZANU. Mugabe respondeu oferecendo terras gratuitas aos
seus apoiantes e raios de bicicleta afiados aos seus adversários.
Quais os medicamentos que podemos
administrar neste “paciente”.
Na perspectiva de Ki-Zerbo (1999:367),
três remédios podiam ajudar a relançar a África neste triplo campo: a produtividade, o esforço de autonomia e a unidade.
A produtividade é a chave do progresso. A
África em relação ao pelotão da frente (as superpotências mundiais) conserva
uma velocidade constante, se é que, tendo em conta o desenvolvimento
demográfico, a sua progressão não está uniformemente retardada.
O segundo meio é a formação dos homens.
Este ponto é importante e de tal maneira evidente que se torna desnecessário
insistir nele. Depois será necessário pormos todos ao trabalho (ibidem, p.
368). É imperioso encorajar o espírito de empreendimento e de criação a longo
prazo.
Os asiáticos, talvez sob pressão do
número, compreenderam o sentido do esforço constante. Dois países, Japão e a
China, com duas ideologias diferentes, conhecem um progresso prodigioso. A
África, por falta de capital financeiro, deveria pois utilizar ao máximo o
capital-trabalho. Só o assentamento de novas estruturas e a criação de pólos
autóctones de desenvolvimento permitirão encontrar uma saída.
A terceira saída para a resolução dos
problemas da África é a unidade,
porque só assim os africanos poderão promover a economia da África.
A África nova, esta África que se
apresentará cada vez mais “sem fronteiras”, deve escolher entre ser um objecto
da história e uma força actuante a escrever a sua própria história. E, se me
pedissem que indicasse, por ordem de prioridade, os elementos que dependem dos
próprios africanos, os dois factores-chave desta promoção eu designaria a
formação dos homens e a unidade (Ki-Zerbo, idem, p. 371).
E, se insistissem em que eu escolhesse
ainda entre os dois o factor decisivo, faria minhas de bom grado as palavras do
sábio antigo: «Dêem-me uma alavanca e levantarei
o mundo.» Eu traduziria: «Construamos
a unidade e faremos arrancar a África».
Referências bibliográficas
GUEST, Robert. África, Continente Acorrentado. O passado, o presente e o futuro da
África, civilização editora, (s/l), 2004.
JALÉE, Pierre. A Pilhagem do Terceiro Mundo, Sá da Costa Editora, Lisboa, 1973.
KEITA, Boubakar N., História da África Negra, 1ª edição, Texto Editores, Luanda, 2009
KI-ZERBO, Joseph. História da África Negra, IIº volume, 3ª edição, Publicações
Europa-América, 1999.
Por Domingos Segredo Manuel.
Lincenciando em História pela UAN/ISCED
BOM TRABALHO DOMINGOS SEGREDO MANUEL
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