sexta-feira, 27 de abril de 2012

OS PROBLEMAS DA ÁFRICA DE HOJE.


OS PROBLEMAS DA ÁFRICA DE HOJE.

No mundo em que vivemos, a importância, a força de um continente pode-se medir por vários critérios: população, tonelagem de aço, nível intelectual (embora a riqueza cultural não tenha cotação na Bolça).
Ao olharmos para carta do globo, vemos nas altas latitudes do hemisfério boreal um conjunto de países ricos: a leste, a URSS; ao centro, a Europa; a oeste, os Estados Unidos. São estes os três gigantes (os dois extremos, os supergigantes) que dominam as actividades mundiais. O Japão e a China popular formam no extremo Oriente um “bloco” à parte.
O continente africano é o terceiro maior continente (em termos de extensão territorial), apresenta uma extensão de 30.300 000 km2, 54 Estados e uma grande diversidade sócio-cultural. As suas riquezas naturais fazem com que alguns economistas a considerem um el dorado.
Será que o continente africano está realmente acorrentado e, condenado a miséria perpétua conforme consideram certos autores?
Até que ponto as riquezas naturais de África são uma maldição ao invés de uma bênção?

África: seu lugar actual no mundo.

Num rápido olhar, o continente africano oferece hoje alguns dados que constituem um dos primeiros e maiores paradoxos do seu estado (Keita, 2009:11). Quanto à sua superfície, África ocupa o terceiro lugar (30 milhões de km2), atrás da Ásia (44 180 000 km2), da América (42 milhões de km2), mas de longe à frente da Europa, que tem somente cerca de 10 milhões de km2 e da Oceânia (9 milhões de km2, aproximadamente).
É um continente subpovoado, mas que possui potencialidades consideráveis, apontadas e cobiçadas por todos.
A sua indústria representava há poucos anos apenas 0,9 por cento da produção industrial mundial, enquanto a sua parte é maior no que diz respeito ao fornecimento de numerosos recursos naturais, bem como de produtos agrícolas (pelo menos em termos de capacidades).
Assim proporcionaria: cerca de 66% da extracção mundial de diamantes; cerca de 58% do ouro do nosso planeta; 45% do cobalto; 23 do antimónio (participando no fabrico de caracteres tipográficos) e dos fosfatos; 17,5 % do cobre e do manganésio; 15% do cromo e do petróleo; 66% do cacau; 40% do óleo de palma; 28% do amendoim.
Eis a África na actualidade; as referidas proporções tinham, dois séculos atrás, um carácter ainda mais desmedido, pois o resto do mundo dependia, em muito, dela (idem).
O lado irónico ou caricatural de tudo isto é que os preços de todos esses produtos são decididos e definidos no exterior, nas grandes bolsas de valores da Europa e da América do Norte (Jalée, 197, p. 7). Esta situação tem uma influência certa na resolução do desafio que colocamos no início, ou seja, uma (re)interrogação objectiva da História, a fim de devolver à África a sua “plenitude cultural”, segundo uma expressão bem feliz de Cheik Anta Diop (Apud, Keita, op cit, p. 14).
A realidade, no campo da investigação em ciências sociais e humanas, não desmente esta verdade com orçamentos nacionais obrigados, por injunção das Organizações Internacionais de Financiamento por “as prioridades estarem  noutros sectores”, aqueles mesmo definidos por elas, na medida em que são fornecedores de mais-valias para o desenvolvimento dos seus países (europeus e americanos).

Porque a África é tão pobre?

A África, depois de haver ocupado o primeiro lugar no decurso da Pré-História, sofre um atraso qualitativo. Certas regiões encontram-se ainda na Idade da Pedra. Outras vegetam sob o regime colonial. Outras ainda se debatem nas águas por vezes turvas de uma independência hipotecada.
Com cerca de trezentos milhões de habitantes em três biliões e meio que existem no mundo, a África tem uma população total nitidamente inferior à da Europa.
Apesar do seu potencial natural, Guest (2004:7) considera que o nível de vida das populações africanas não se ajusta com os números anualmente apresentados pelas grandes Bolsas de valor sobre a produção dos recursos do continente “berço”.
Considera ainda que o baixo nível de instrução das populações africanas, a pobreza estrema em que as populações africanas se encontram mergulhadas, a má distribuição dos bens públicos, os governos vampiros, as altas taxas de mortalidade infantil e materna, o crescimento sem precedentes de pessoas portadoras do vírus HIV, a existência de zonas potencialmente ao contagio de várias doenças, a corrupção dos seus governantes e os golpes de Estado, tornam a África realmente um continente acorrentado.
Procuramos apresentar este resumo devido a necessidade de conhecimento sobre os vários problemas que enfermam a nossa África. Como pode um continente potencialmente tão rico, apresentar os piores males na face da terra?
Até quando o tráfico de escravos, a escravatura e o colonialismo será apresentada como desculpa para os males da nossa África?
Segundo Robert Guest (idem), a África está num mau caminho e, o seu livro, é a tentativa dele de explicar porquê. Este livro é sobre as razões do porque a África é pobre, por isso, tem de tratar da guerra, da peste e de presidentes que pensam que o seu cargo é literalmente uma licença para imprimir dinheiro.
Neste trabalho apresentamos um único capítulo, onde todos os subtemas girarão entorno da temática porque a África é tão pobre.
A África sofreu e continua sofrer com uma dose de maus líderes. Os mais tiranos, como Ide Amin e Mobuto Sese Seko, são bem conhecidos. O que é menos conhecido é que os seus líderes bem intencionados também lhe causaram graves danos. Julius Nyerere, o venerado primeiro presidente da Tanzânia, esperava sinceramente fazer o seu povo mais feliz e próspero, forçando milhões de tanzanianos a trabalhar em herdades colectivas gigantes, mas em vez disso quase destruiu a capacidade do seu povo para se alimentar (Guest, 2003:6).
Qualquer país habitado por seres humanos tem potencial para enriquecer. Em termos históricos, a maldição da África não é exclusiva. A forma como os africanos vivem hoje não é muito diferente daquela como os europeus viviam antes da Revolução Industrial. De facto, os africanos modernos vivem mais anos do que os europeus e americanos viviam antes do século XX, em grande parte porque muitos medicamentos úteis que foram inventados noutro lado — os antibióticos, por exemplo — tornaram-se suficientemente baratos para os africanos os comprarem (idem, p. 8).
Não dá grande conforto aos africanos, na verdade, ouvir contar que há cem anos outras pessoas igualmente pobres.
Alguns africanos culpam a Geografia. É sem duvida um factor. Os vitorianos acreditavam que o calor retira energias e esgota a força de um homem. Um laço mais correcto entre clima e pobreza é o de que os países quentes são palco de toda uma série de doenças que afectam tanto as pessoas como gado. A África tem as piores: malária, febre-amarela, raro e mortífero vírus como o Ébola, e uma legião de parasitas que sugam as energias.
Beba-se um copo de água na Nigéria, por exemplo, e poder-se-á ficar infestado de lombrigas e vermes-da-Guiné. Mas os africanos não podem fazer grande coisa acerca do clima que permite evolução destes horrores e é eficiente quando se está a braços com parasitas ou a tremer de febre.
Outro culpado popular para os males de África é a História. Muitos africanos defendem que os actuais problemas do continente decorrem em grande parte dos traumas a que os europeus sujeitaram a África, a escravatura acima de todas.
É um argumento emocional. Nos séculos XVII e XIX, milhões de africanos foram raptados, acorrentados, postos nos porões fétidos dos navios de escravos e transportados para o outro lado do Atlântico. Muitos morreram antes de chegarem ao destino.
Os colonialistas deixaram cicatrizes profundas. Mas também deixaram para trás coisas úteis como estradas, hospitais e leis.
Se o colonialismo era o que atrasava África, esperar-se-ia que, quando ele acabou se verificasse uma explosão de crescimento. Não foi o caso (ibidem, p. 9).
Talvez o problema seja que o legado do colonialismo continua presente, mesmo depois de os colonos terem partido. Até certo ponto isto é uma verdade.
Segundo Joseph Ki-Zerbo (1999:365), certos Estados dão à África, com uma mão muito caridosa, aquilo que com a outra lhe retiram, espoliando-a de maneira nada caritativa. As fronteiras de África ainda são fonte de problemas. Isto causa frequentes tensões e por vezes faz correr muito sangue.
Mas os países africanos decidiram por si mesmos não corrigir as fronteiras coloniais, com medo de que isso originasse novos conflitos, em lugar de acabar com os antigos.
Alguns africanos defendem que o seu continente foi traumatizado pelo que Steve Biko, um revolucionário sul-africano chamou de “a colonização do espírito”. Os governantes brancos julgavam inferiores os seus subordinados negros.
Mesmo hoje, ainda há quem defenda que a falta de confiança dos africanos os impede de desenvolver todos os seus potenciais. Pode ser assim uma certa medida, mais de 70% dos africanos de hoje nasceram já depois da independência. E os exemplos de outros países sugerem que as desagradáveis experiências coloniais não condenam necessariamente um país à penúria eterna (ibidem, p. 12).
A Coreia, por exemplo, foi anexada pelo Japão em 1910 e libertada apenas quando a América lançou bombas atómicas sobre Hiroshima e Nagazaque. Enquanto governaram a Coreia, os colonialistas japoneses tentaram destruir a cultura local e submeter a população à servidão.
A língua coreana foi banida, os coreanos impedidos de aceder à universidade e profanados sistematicamente os mais sagrados locais de culto coreanos nas montanhas. Enviaram jovens coreanos para o Japão para trabalhos forçados nas minas e fábricas de munições, ou obrigaram-no a servir no exército imperial. Arrebanharam mais de cem mulheres coreanas, algumas com apenas doze anos de idade, para servirem de escravas sexuais nos bordéis militares. E as provações terminaram com a libertação. Pouco depois de os colonialistas japoneses partirem, a Coreia mergulhou numa guerra civil que custou um milhão de vidas e dividiu o país ao meio.
Com uma história tão traumática, a Coreia teria todas as desculpas para falhar ao nível do desenvolvimento. Mas a parte sul, capitalista, que era tão pobre como o Gana em 1953, é hoje vinte vezes mais rica.
 A formosa, Hong Kong, a Malásia e Singapura — tudo ex-colónias — são todas ricas e pacíficas. Como o são a Irlanda, a Austrália e Massachustts. O legado colonial de África, embora influente, não pode explicar tudo o que está mal hoje em dia (ibidem, p. 13).
Outro problema que tem de culpar a herança do colonialismo pelos males actuais de África é que nos dá poucas pistas para resolver esses mesmos males. A História, como a Geografia, não pode ser mudada. Queixamo-nos dos erros do passado, é natural e humano, mas também pode fornecer uma desculpa para o desespero.
Se os problemas de hoje são da responsabilidade do Ocidente, a solução óbvia é exigir ao Ocidente que os resolva.
Desde a independência que os governos africanos têm falhado ao que prometeram ao povo. Poucos dão ao cidadão comum a liberdade de cavar a sua fortuna sem embaraços oficiais. Poucos defendem a lei, dão valor a contratos ou salvaguardam os direitos de propriedade. Muitos são descaradamente predatórios, servindo de meio a uma pequena elite para extrair dinheiro de todos os outros cidadãos.
Os governos de rapina tornam geralmente os seus países mais pobres, como acontece na Nigéria e na República Centro Africana. Pior: quando o poder confere riquezas, as pessoas por vezes lutam por ele, como no Congo e na Libéria.
O poder não vigiado é uma estrada aberta para os ricos, especialmente em países com abundantes recursos naturais. A África tem recursos fabulosos em minerais preciosos, o que é uma razão para tanta gente estar pronta a lutar por uma fatia de poder. A riqueza mineral de África deixa de ser uma maldição para ser uma bênção.
Outro obstáculo à prosperidade de África é a Sida. Apesar de todos os avanços da medicina moderna, a esperança de vida caiu em grande parte de África nas últimas duas décadas;
A pobreza acelera a epidemia. Quem não tem dinheiro para comprar uma televisão, passa o serão a fazer outras coisas. Muitos africanos não tem dinheiro para comprar antibióticos e portanto não podem tratar doenças sexualmente transmitidas, o que abre feridas para o HIV entrar.

Os africanos ainda não são livres.

 Os africanos são pobres em grande parte porque ainda não são livres. Vivem sob o jugo de governos predatórios e incompetentes, que têm enorme dificuldade em afastar (ibidem, p. 40)
Os seus governos empobrecem-nos de muitas formas; pela corrupção, com políticas económicas desastrosas e por vezes, como no caso do Zimbabwé, criando uma atmosfera de terror que atemoriza o mais intrépido homem de negócios e investidor potencial.
Em teoria, a maioria dos africanos são livres de destituir os seus governantes, mas na prática as dificuldades são enormes.
Em nenhuma outra parte do mundo os governantes demonstraram tanta habilidade para manipular uma eleição como em África. O regime de Mugabe tornou-se parecido com uma ténia nos intestinos do Zimbawé, alimentando-se com os frutos do trabalho dos outros, roubando as forças à nação.
Ao contrário das ténias, porém, Mugabe e os seus apaniguados mostram-se bem mais difíceis de exterminar que os parasitas intestinais.
Nas eleições de Julho de 2000, viu-se em primeira-mão até onde eles estão dispostos a ir para se manterem no poder (idem, p. 53). Era uma eleição legislativa e não presidencial, pelo que o lugar de Mugabe não estava em causa. Mas o velho senhor estava, mesmo assim preocupado. O MDC só estava activo há poucos meses mas parecia disposto retirar a maioria parlamentar à ZANU. Mugabe respondeu oferecendo terras gratuitas aos seus apoiantes e raios de bicicleta afiados aos seus adversários.


Quais os medicamentos que podemos administrar neste “paciente”.
Na perspectiva de Ki-Zerbo (1999:367), três remédios podiam ajudar a relançar a África neste triplo campo: a produtividade, o esforço de autonomia e a unidade.
A produtividade é a chave do progresso. A África em relação ao pelotão da frente (as superpotências mundiais) conserva uma velocidade constante, se é que, tendo em conta o desenvolvimento demográfico, a sua progressão não está uniformemente retardada.
O segundo meio é a formação dos homens. Este ponto é importante e de tal maneira evidente que se torna desnecessário insistir nele. Depois será necessário pormos todos ao trabalho (ibidem, p. 368). É imperioso encorajar o espírito de empreendimento e de criação a longo prazo.
Os asiáticos, talvez sob pressão do número, compreenderam o sentido do esforço constante. Dois países, Japão e a China, com duas ideologias diferentes, conhecem um progresso prodigioso. A África, por falta de capital financeiro, deveria pois utilizar ao máximo o capital-trabalho. Só o assentamento de novas estruturas e a criação de pólos autóctones de desenvolvimento permitirão encontrar uma saída.
A terceira saída para a resolução dos problemas da África é a unidade, porque só assim os africanos poderão promover a economia da África.
A África nova, esta África que se apresentará cada vez mais “sem fronteiras”, deve escolher entre ser um objecto da história e uma força actuante a escrever a sua própria história. E, se me pedissem que indicasse, por ordem de prioridade, os elementos que dependem dos próprios africanos, os dois factores-chave desta promoção eu designaria a formação dos homens e a unidade (Ki-Zerbo, idem, p. 371).
E, se insistissem em que eu escolhesse ainda entre os dois o factor decisivo, faria minhas de bom grado as palavras do sábio antigo: «Dêem-me uma alavanca e levantarei o mundo.» Eu traduziria: «Construamos a unidade e faremos arrancar a África».


Referências bibliográficas

GUEST, Robert. África, Continente Acorrentado. O passado, o presente e o futuro da África, civilização editora, (s/l), 2004.
JALÉE, Pierre. A Pilhagem do Terceiro Mundo, Sá da Costa Editora, Lisboa, 1973.
KEITA, Boubakar N., História da África Negra, 1ª edição, Texto Editores, Luanda, 2009
KI-ZERBO, Joseph. História da África Negra, IIº volume, 3ª edição, Publicações Europa-América, 1999.


Por Domingos Segredo Manuel. Lincenciando em História pela UAN/ISCED

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