ÁFRICA NEGRA
Nação civilizada e berço da Humanidade
Parte I
Mitos ahistóricos
da historicidade das sociedades africanas
Desde o processo de roedura da África, anterior a
conferência de Berlim, e com a estada dos portugueses por volta de 1430, devido
a necessidade de manutenção do reino de Portugal, a África foi o cerne das mais
diversas autoridades potenciárias européias que alucinadas por filosofias
antropológicas criaram teorias, inteiramente, racistas sobre o «Negro»
e, mais, sobre a «África». A principal tendência da cultura europeia
começava a considerar de forma mais desfavorecida as sociedades africanas e a
declarar que elas não possuem uma história digna de ser estudada. Esta
mentalidade resultou da convergência de correntes oriundas do renascimento, do
iluminismo e da crescente revolução científica e industrial.
As primeiras idéias sobre a inexistência da história das
sociedades africanas foram expressas pelo filósofo alemão de grande renome J.
G. Frederic Hegel (1770-1831), no seu discurso sobre filosofia da história
(1830), Hegel declarava: “A África não é um continente histórico, ela não
demonstra nem mudança nem desenvolvimento, [os africanos] são incapazes de
desenvolver e de receber educação. Eles sempre foram tal como os vemos hoje”.
Na mesma concepção de idéia Coupland, em 1928, no seu manual L´histoire de
l´Afrique Oriental, dizia: “A África propriamente dita não tivera
história até David Livingostne. A maior parte dos seus habitantes tinha
permanecido durante tempos imemoráveis, mergulhados na barbárie. Tal fora, ao
que parece, o desígnio da natureza. Eles permaneciam no estagnamento, sem
avançar nem recuar”. Ainda na mesma vertente, sem pestanejar, Gaxote, na
sua obra recue de paris (1957), escreveu: “Os povos da África nada
deram à humanidade (...), nada produziram”. Em 1864, James Bruce, na sua
obra Mission to Gelele, King of Dahomey e numa notável digressão sobre o
lugar do negro na história pode se ler frases como: “O negro puro se coloca
na família humana debaixo das [demais raças], e prossegue, o negro não
progredirá além de um determinado ponto que não merecerá consideração, porque
mentalmente ele permanece uma criança adulta”.
Já Oliveira Martins, no seu livro O Brasil e as Colônias
Portuguesas, escrito em 1889, enfatizava a seguinte teoria desprovida de
qualquer nexo científico: “...Sempre o preto (...) é uma criança adulta. A
precocidade, a mobilidade, a agudeza própria das crianças não lhes faltam; mas
essas qualidades infantis não se transformam em faculdades intelectuais
superiores. (...) É um tipo antropologicamente inferior, próximo do antropóide,
e bem pouco digno do nome homem”. Com base na visão pseudocientífica sobre
a inferioridade do negro e sua escolarização, Oliveira Martins continua: “A
idéia de uma educação dos negros é absurda, não só perante a história, como
perante a capacidade mental dessas raças inferiores”. Pois “o facto de
os negros parecerem como seres humanos e agir como seres humanos não lhes faz
necessariamente sensíveis seres humanos [intelectuais], (...) nós [brancos]
somos superiores aos pretos”, dizia Peter W. Botha em 1985.
No entanto, contra estas teorias [todas do século XIX]
insurge-se um homem negro de formação multifacética, como diz o professor
Boubakar Namori Keita em seu ensaio de reflexão (2008), com vasta erudição
impregnada de rigor e profundidade: Cheikh Anta Diop (1923-1986).
Historiador, químico, físico nuclear e antropólogo, que manejava com
facilidade, seriedade e profundidade científica, métodos, técnicas e dados
destes ramos de conhecimento para utilizá-los na reconstrução da história da
África.
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Historiador e linguísta.
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É por meio dos estudos de Diop que se sabe, hoje, que a
primeira das grandes civilizações mundiais antes da Babilônia, Síria,
Medo-Persa e Grega, o antigo Egipto ou civilização do Nilo pertencia a povos de
tez negra conhecedora da escrita que remonta do V milênio; que os egípcios
negros são inventores de um calendário de cerca de 4236 anos antes de Cristo,
coerente de 365 dias; que os estudiosos ou “cientistas” gregos, muitos deles
filósofos (hoje os mais referenciados), iam ao Egipto receber ensinamentos
junto a sacerdotes egípcios negros; que as primeiras expedições marítimas,
atlânticas, foram obras do Mansa Bocori ou Abubakari IIº em 1311; que não foi
Cristóvão Colombo o primeiro a se encontrar nas caraíbas e na América do Sul,
mas que tinha sido precedido por um soberano negro da África Ocidental que, por
sua vez, também encontrou outros negros cuja presença data de antes do século X;
que os povos da África Oriental conheciam a Índia e, melhor, as rotas do índico
antes de Vasco da Gama.
Não se deve esquecer a magnífica obra de Yves Antoine: inventores
e sábios negros (1999). Surpreendente por ir de encontro à imagem que se
faz do homem negro, do qual circunscreve a capacidade criadora a domínios bem
preciso como a música, o desporto e a dança... A verdade é que nomes como Wolé
Soyinka (Prémio Nobel de literatura de 1986) e de Muhammad Ali (três vezes
campeão do mundo de boxe), Koffi Anan (ex-secretário das Nações Unidas por dois
mandatos), Harry Belafonte, Nelson Mandela e Pelé são mais ou menos familiares
à maior parte dos cidadãos Ocidentais e de outros continentes, embora difícil
seja citar nomes de cientistas negros de alto nível.
Mas quem sabe que a primeira operação ao coração foi
efectuada pelo Doutor Daniel Hale Willians no ano de 1893 em Chicago? Quem é
que está ao corrente de que o químico americano Washington Carver extraiu da
batata mais de uma centena de produtos, tais como farinha, tinta, tapioca, amido
e borracha sintética? Que os sinais luminosos para circulação automóvel foi
inventado pelo negro americano Garrett Morgan? Que a Dra. Evelyn Boyd Granville
e Mae Jemison estiveram, respectivamente, ao serviço da NASA e da IBM. A lista
é enorme.
E enfim, todas as teorias do século XIX visavam ocultar o
contributo do homem negro à humanidade e coisificá-lo para melhor o dominar ou
frustrar os seus desejos ou as suas tentativas de identificação com modelos
legítimos e tende a aniquilar a sua confiança de auto-estima. No fundo, ocultar
trabalhos importantes do homem negro é como forma de «violência simbólica»,
segundo as palavras de Pierre Bourdieu.
Portanto, os trabalhos de muitos amantes da África revelam
uma nova dimensão do universo dos negros, cujos subsídios à ciência e à técnica
modernas, embora tivessem sido durante muito tempo escondidos à face do mundo,
nem por isso foram menos apreciáveis.
Fontes de pesquisa:
I.
ANTOINE, Yves: “Inventores
e Sábios Negros”, Ed. Nzila, Luanda, 2009.
II.
KEITA, Boubakar
Namori: “Cheikh Anta Diop: Contribuições Endógena Para a Escrita da História
do Continente – Ensaio de Reflexão Sobre Uma Obra”, Ed. Nzila, Luanda,
2008.
III.
KI-ZERBO, Joseph et all: “História Geral da África
Negra-metodologia e pré-história africana”, Vol.I, Ed. Ática, São Paulo,
1980.
IV.
M´BOKOLO, Elikia:
“África Negra: História e Civilizações do Século XIX aos Nossos Dias”.
Vol. II, 2ª Ed, Editora Calibre, 2007.
V.
PARREIRA,
Adriano: “A Maquina de Dúvidas: Conceito de Negro na Literatura de Viagem Sobre
Angola – século XV-XVII”, Ed. INALD, Luanda, 1998.
VI.
VIEIRA, Laurindo:
“Angola: Dimensão Ideológica da Educação”, Ed. Nzila, Luanda, 2007.
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